
Tenho imaginado o tempo - o tempo em si —, a anatomia de seus espaços, sua arquitetura, sua mecânica. Tem dias em que ele é algo que cerca e abriga: um teto, uma arena, um imenso corredor. Em outros, é uma energia, uma espécie de voltagem que corre entre tudo e se potencializa a cada encontro. Às vezes, ele é fluido e cíclico feito água e, em outras, é a síntese resistente de muitas partículas, como um diamante ou um esqueleto. Há dias em que o tempo é puro fluxo, imagem borrada que passa, e, em outros, é a única coisa que resta enquanto tudo mais vagueia. Hoje eu li sobre os Amondawa que não têm, em seu idioma, palavras equivalentes a tempo ou a períodos temporais, como mês e ano. Em linhas gerais, eles não consideram o tempo como uma entidade separável dos acontecimentos: o tempo é o acontecimento. Por isso, os Amondawa não contam a idade como nós fazemos, em vez disso, eles assumem diferentes nomes em diferentes momentos de suas vidas. Fiquei pensando: isso que nós chamamos de nostalgia talvez seja, para os Amondawa, o efeito causado por um novo nome que se impõe e que ainda não é reconhecido. E a impressão de que o tempo não passa talvez seja o indício de que é preciso renomear todas as coisas, ou melhor, de que é preciso prestar atenção em todas as coisas até descobrir qual o som secreto que hoje as chama e as acorda. — Priscila Menezes