
poesia num coração rasgado

acordei com o barulho da tempestade. chuva forte, ventos intensos e trovões anunciavam que havia amanhecido. me recordei das manhãs que despertava ao seu lado, gostávamos de ouvir os sons da tempestade, o medo dos trovões me faziam encolher em seus braços. a gente gostava de chuva ao acordar, era a desculpa perfeita para ficar um pouco mais na cama. como fazer para esquecer as manhãs de chuva com você, já que você não está mais aqui?
Havia combinado com uma amiga – corredora – de correr com ela 5km. Aceitei o desafio, às 06h00 o tênis estava calçado. Nas ruas, o silêncio do amanhecer nos fez companhia. No início do percurso, sem previsão alguma, nuvens carregadas despejaram sobre nós água doce. Parar não foi opção. Seguimos. Correndo na chuva. Nos últimos meses fui apenas água salgada. Faz muito tempo que não tomo banho de chuva, daqueles que encharcam a alma. Encharquei-me por fora e por dentro. Meu ato de coragem, correr na chuva, estou orgulhosa de mim mesma.
No banco do jardim. Parei um segundo para observar a chuva cair. Um dia frio. Vento forte. Fiquei com vontade de sentar na calçada - no meio fio - ficar mais próxima do chão e prosear com alguém até a chuva passar. No chão frio sinto a força da terra. Nos últimos dois anos estive mais no chão do que qualquer outro lugar. Duro. Frio. Escuro. Lamacento. Olhando daqui do banco, o chão não parece tão repulsivo. Rememorei minha infância na porta de casa. O chão era local sagrado. Espaço de encontro. Bom sentar no chão. A gente ria. Brincava. Compartilhava segredos. Crescemos. Deixamos de frequentar nosso lugar. Esquecemos. Somos adultas. Chão agora lembra queda. Cair dói. Na pressa do dia a dia nem notei que eu havia levantado do chão. Hoje desejei sentar no chão - por escolha.
Uma das coisas que não fizemos juntos foi tomar banho de chuva. Está chovendo agora, lembrei de você. Será que ainda dá tempo de pegar na sua mão e te levar comigo para um banho de chuva?
imagem arquivo pessoal, 2020
acreditei no seu discurso. engoli seco sua confissão. chorei. dei uma chance. confiei que seria diferente. os planos foram retomados. os beijos eram urgentes. havia carinho na mão.
me enganei.
seu discurso mudou. sua confissão passou a me assombrar. choro. a chance agora me machuca. não foi diferente. planos foram parados. beijos já não são urgentes. a mão não procura a minha.
me enganei.