hoje me senti sozinha. faz um tempinho que não chorava mais de saudades. a repressa vazou. talvez o gosto do bolo de milho - aquele que comia antes de te encontrar - foi o gatilho para a memória. doído lembrar. desejei por um momento o passado. carro parado no meu portão. mochila nas costas. abri a ferida hoje. não cicatrizou. deixa eu chorar. não está tudo bem. sem fingir.
chorar
nãochorar
às vezes as lágrimas chegam sem aviso, os olhos embaçam e o nariz fica vermelho de repente. e quando as lágrimas não vêm? elas ficam presas em algum lugar? não caem. minha última semana sofri com "falta de lágrima", sinto a garganta apertar, mas os olhos não embaçam. é estranho. preciso colocar algo para fora que desconheço. eu quero chorar, deixar passar, mas tem um nó. quero desatar, colocar para fora. estou no deserto e não tem previsão de chuva. não tô legal. talvez não seja um bom sinal.
é como uma luz quando se apaga. apagou, minha autoconfiança, minha autoestima. todos os dias, – já fazem dois anos – eu procuro uma luz, minha luz. extremamente cansativo. choro de dor. ferida que não cicatriza. e só. só.
construindo cuidado comigo mesma?
durante essa semana me descuidei. cheguei a duvidar do meu progresso na terapia – confesso que ainda tenho dúvidas. o mês de abril é carregado de significados, há memórias boas e outras que me ferem a alma – apesar dessa já estar ferida faz tempo. não querer escrever é evitar rememorar um passado – não tão distante assim – de mágoa e sofrimento. faz um ano – mas na verdade fazem três. anos que vi a minha vida inteira tombar depois da implosão – aquelas que assistimos nos filmes. implodi e tombei. os pedaços ainda estão espalhados – existe a possibilidade de não encontrar todos eles – alguns viraram pó. não consigo mentir para mim mesma e nem para as pessoas quando me perguntam como estou. ainda não estou bem – embora o psicólogo sinalize em todas as sessões que há uma excelente evolução. até este momento choro, duvido de mim mesma e penso ter sido a “peça” que fez tudo desandar. “se eu tivesse”, “se eu fizesse”, “se eu falasse”, “se eu fosse” são frases dentre tantas outras que me assombram. qual é o cuidado comigo mesma que estou vivenciando? não quero pensar mas eu penso. penso mas não quero pensar. nossa mente é realmente um campo desconhecido. sigo pisando em falso – estou muito cansada.
quando a dor vem me visitar eu choro
não zerei
descobri – na terapia – que ainda não zerei. ainda me apego a ideia de que fui boba. carrego uma culpa que não é minha.
invalido todas as alternativas tentadas por mim. ” se eu fosse”, “se tivesse”, “se aceitasse “.
me diminui para caber. não coube. faz quase três anos. surpresa comigo mesma. choro. não zerei.
não foi sem intenção
A partir do momento que o outro conhece o que te causa dor, fazer sangrar a sua ferida é intencional – não há dúvidas. Talvez queiram testar a sua resistência, identificar até quanto você aguenta ser socada no estômago. Não consigo afirmar com precisão a quantidade de vezes que “arrancaram” as cascas das minhas feridas, choro sempre. Volto para lugares escuros e frios, que me embrulham o estômago. Chego a duvidar de mim mesma, penso se não estou me fazendo de vítima – a “coitadinha” de coração partido – a que foi deixada. Querem medir minha dor, comparar com outras histórias. Dor não se compara, todas as dores são legítimas, não pode haver concorrência para dor. Não fui a responsável por tudo, tenho consciência disso, mas se você sabe o motivo da minha dor e me faz sangrar novamente, a culpa é sua, e sim, intencionalmente.
estante vazia
algumas prateleiras da estante que estava nos planos – a que ficaria no escritório – ficarão vazias. nosso livros – os seus e os meus – não completará a biblioteca que sonhamos. foi difícil encaixotar seus livros que ainda estavam comigo. admirei cada um com os mesmos olhos que te admiravam. queria escrever um bilhete e escondê-lo entre as páginas. não escrevi, ingenuidade minha imaginar que você leria. guardar os livros na caixa me fez chorar. sensação de que estávamos nos separando mais uma vez. nós desfeitos. dói. sem coragem para te entregar – te ver de perto – pedi que deixassem a caixa na sua casa. quis evitar escutar o seu sorriso. sei que meus livros que ainda estão com você, também serão devolvidos. agora sou eu que receberei uma caixa. meus livros, que viram seus olhos pela última vez.
ressaca
depois de uma crise de choro surge uma ressaca quase incurável. não há água que dê conta de reidratar-se.
se fosse fácil
é uma estrada longa, repleta de pedras escorregadias. às vezes é impossível se equilibrar.